8 de dez. de 2017

Elites discutem apoio a Lula


Elites discutem apoio a Lula
Edélcio Vigna, doutor Ciências Sociais/UnB
As elites dominantes estão discutindo o apoio a Lula. As confederações industriais, as associações de banqueiros internacionais e as multinacionais de serviços e investimentos estão recompondo suas posições com respeito as eleições presidenciais de 2018.
As assessorias dessas empresas estão repensando os fatos políticos ocorridos desde o impeachment de Dilma Rousseff. Para eles o jogo das grandes elites foi o de substituir Dilma por Temer, para que este executasse as políticas regressivas necessárias e, em seguida, voltar com Lula para que este retomasse (ou retome) o modelo capitalista popular de consumo.
Dilma não poderia implementar as políticas recessivas, pois colocaria em risco a candidatura de Lula, que preencheu as expectativas do mercado financeiro e industrial internacional. A elite internacional teve que apostar em duas linhas temerárias em tempos diferentes: colocar em marcha uma manobra arriscada como a substituição de Dilma por Temer; e depois, impedir que Lula sofresse (ou sofra) alguma sanção que o impeça de se reeleger em 2018.
Não interessa para as multinacionais o tipo de mercado nacional restritivo que as políticas recessivas desenvolvem, porque não estimulam o consumo de média e baixa renda. O mercado em vez de se expandir, ele se contrai impedindo um lucro crescente no mercado interno. Os novos ricos, que se beneficiaram com a expansão do mercado na época anterior, não capitalizam o mercado interno, pois preferem fazer compras em Miami e na Europa.
Esse gasto no exterior, da nova classe endinheirada, prejudica o desempenho das franquias internacionais e das multilatinas, que preferem a volta do mercado consumidor de média e baixa renda. Diante aprovação da reforma trabalhista, que era o maior empecilho, em termos de custos sociais, essas empresas estão avaliando positivamente a volta de Lula, como uma retomada do mercado consumidor, com juros baixos.
A elite internacional não confia nos nomes que estão sendo colocados como candidatos a presidentes, independentemente de partido político. Lula já fez um acerto, em 2004, com os grandes do mercado internacional e, por isso, é um nome confiável, que cumpre os acordos realizados. Os demais nomes são incógnitas, em termos de gestão política, e o mercado não suporta surpresas.
Neste contexto, de acordo com os analistas internacionais, Lula manteria a margem de 30% de intenções de votos e não provocaria abalos internos no PT, uma vez que sua corrente interna majoritária “Construindo um Novo Brasil”, não se opõe à implantação de um modelo de mercado capital-consumidor.
Neste panorama, caso se concretize a candidatura de Lula, os demais concorrentes terão poucas chances de vitória. Agora a disputa passa a ser jurídica e vai continuar até a última hora, pois mesmo condenado Lula poderá recorrer e garantir sua permanência no jogo eleitoral.
Os especialistas concluíram que é preciso esperar a decisão do TRF, em Porto Alegre, que ainda vai analisar os recursos do Ministério Público e da defesa de Lula. As convenções partidárias que escolherão os candidatos serão realizadas a partir de 20 de julho, e Lula, mesmo registrado, pode ser cassado pelo TRF. Caso concorra e ganhe a eleição ainda pode ter seu diploma anulado. Só não pode ser cassado caso assuma a presidência no dia 02 de janeiro de 2019.
A Ciência Política nos ensina que pouco se sabe sobre as inumeráveis variáveis que interferem sobre o resultado final de um conflito, no qual Maquiavel já não passa de um amador. Essa é uma disciplina, que não compete a diletantes, é uma matéria em que uma das variáveis principais, no sistema capitalista contemporâneo, não é a ideologia, mas o mercado internacional.


Cuidado com aquele que bate à Porta



Cuidado com aquele que bate à Porta
Edélcio Vigna, Doutor em Ciências Sociais/UnB 

A sociedade não se reproduz a partir de um único discurso. Ao contrario, o pensamento único paralisa o desenvolvimento e a criatividade. A imutabilidade social é um discurso ideológico do homem conservador e subalterno. A humanidade se desenvolve por meio de situações conflitivas, que emergem como oportunidades de crescimento ético e moral.

Os discursos rarefeitos, como o jurídico e médico, por exemplo, estão restritos às sociedades dos discursos como os mais parciais e, portanto, necessitam de significações superadas para se justificarem nos tempos atuais. O discurso médico, além do diagnóstico, já avançou ao recepcionar novas técnicas e outras terapias, em especial as orientais.

O advogado e seu discurso “Juridiquês”, são duas criaturas siamesas produzidas pelo século XVIII, que se originou frente aos abusos das monarquias constitucionais. Desde o setecentismo, os advogados, com raras exceções, vem se aventurando no campo político. Porém, mesmo vivenciando a prática política ainda lhes falta competência teórica para intervir nesse espaço.

Quando um advogado ou um médico toma a palavra para fazer análise conjuntural é um Deus nos acuda. Há advogados e médicos, que se destacaram como políticos brilhantes, mas essa competência não é atribuída a todos esses profissionais. Isso não é um demérito, é apenas uma comprovação.

Observe como alguns juristas da mais alta corte se tornam objetos de chacotas nacional. O problema não é utilizar, de forma equivocada, categorias da ciência política, mas de desconsiderar que por trás de cada expressão há um significado ideológico, que não permite a neutralidade. A análise conjuntural não é neutral e dela ninguém sai impune, nem os cientistas políticos.

A retórica é arte de ludibriar o outro. Essa arte, que os pseudo-intelectuais utilizam para impressionar, foi expulsa do paraíso dos discursos junto com os sofistas gregos. A retórica é uma técnica utilizada pelos vendedores de ilusões. Portanto, cuidado com aqueles que batem à porta.

O neosofista, o novo enganador, utiliza-se de dados que não podem ser comprovados. Fala do que desconhece sem o mínimo constrangimento. Afirma absurdos e relaciona o que não pode ser relacionado, certo que a torrente de tolices, que lhe sai da boca ou da escrita, impede o pensamento crítico e lhe garante a impunidade.

São exímios em afirmar coisas no vazio da realidade. São como os loucos, que veem em toda manifestação a comprovação da sua verdade. Ao juntar essa patologia com a fúria de tudo que lhe é diferente ou que lhe contradiz, teremos o rancoroso indivíduo da direita ou da esquerda política. Há algo de hitleresco nestas pessoas. Ambos tem como porto final o totalitarismo.


O novo discurso emancipador, ideológico porque propõe uma ação mudancista, tem como objetivo propor caminhos, saídas ou consensos. O discurso conservador, por seu lado, rarefaz as possibilidades de que o desigual sobreviva, estreita as portas e aferrolha as janelas, para que o ar do amanhã não circule e revolva o calendário. 

Quando não se pode mais deixar de Escrever


Quando não se pode mais deixar de Escrever
Edélcio Vigna, doutor em Ciências Sociais/UnB

A situação política ia tão mal governada que não escrevi nada depois do golpe contra a Dilma Rousseff, porque queria deixar a poeira abaixar. Mania de historiador, dar tempo ao tempo, pois ele é o mais sábios dos conselheiros (Plutarco).
Passaram alguns meses, Michel Temer tomou posse, e continuei sem escrever uma linha. Depois das delações o golpe ficou evidente. As máscaras caíram e veio à tona a construção de anos de um sistema de corrupção pela patifaria governamental, parlamentar e jurídica.
Escrevi um artigo “O golpe ‘temerdoriano’ ou o 18 brumário brasileiro” para a Revista de la Red Intercátedras de Historia de América Latina Contemporânea (RIHALC). Publiquei (http://del-vigna.blogspot.com.br/2017/04/o-golpe-temerdoriano-ou-o-18-brumario.html) e fiquei atento aos sucessivos episódios repulsivos, pelos quais caminham a história política brasileira. Meu instinto sociológico – guiado pelo tempo dos acontecimentos – superou o tempo da longa duração da história e escrevi outro texto.
O tempo, que tinge nossos cabelos de branco, nos ensina a escrever sem ódio ou mágoa. Tenho lido artigos inflamados de adjetivações e frases cansadas que se fazem parecer inteligentes. Respeito as diversas posições políticas. Creio que sem essa diversidade a história política não avançaria. Só me desagrada a grosseria, que ofende a língua portuguesa e a inteligência dos leitores.
Ressaltei, no artigo para a revista mexicana, que a análise ficaria inacabada “considerando que a disputa se prolongaria até as eleições presidenciais de 2018”. Essa impressão se mantém atual porque não indicarão os rumos futuros. A vitória de uma coalizão partidária, que se manterá no poder por um determinado período, perderá a força progressista ou conservadora. Isso porque a História se faz no cotidiano. 
Desde que Stefan Zweig escreveu o livro “Brasil, País do Futuro”, a intelligentsia nacional tem deitado sobre berço esplêndido esperando o futuro. Desde que a Graúna, de Henfil, perguntou “que país é este?”, as réplicas foram tantas que ninguém sabe a resposta certa ou cada um tem a sua, pessoal ou de classe.
A cada quatro anos os eleitores são convocados a votar e, em seguida, se deprimem, porque não votaram em um projeto de futuro. Votaram como indivíduos atomizados e se esqueceram dos nomes dos candidatos escolhidos.
A mídia se apressa em reforçar que o sistema eleitoral e político só precisa ser reformado e não revolucionado. Que a compra e venda de votos entre parlamentares e Executivo é normal e a prática da corrupção existe em todo mundo. É uma deslavada lorota, mas os ancoras que anunciam tal mentiras, como verdades, são protegidos pelas telas da TV. A história ensina que o que é construído pelo homem, pelo homem pode ser demolido.

Somos a ponta do iceberg que há mais de 500 anos reclama um Titanic. Os sistemas são tão momentâneos como são as nossas opiniões sobre a conjuntura atual. A diferença é que nós refazemos nossas convicções, enquanto que os que detém o poder de manter o sistema reafirmam a certeza de estarem apenas cumprindo o dever ao jogar bombas de gás e atirar, com balas de borracha, em nossos filhos. 

4 de out. de 2017

Biblioteca dos livros não escritos


Biblioteca dos livros não escritos
Sempre admirei as bibliotecas do universo descritas por Jorge Luís Borges. Imagino aquela infinidade de livros dispostos em incontáveis estantes fluídicas. Todos ainda por serem escritos. Quem não leu o artigo A Biblioteca de Babel, de Borges, faça agora um download pela internet e leia.

São tantos os livros, que aguardam a serem escritos, que não haverá gerações que possam compor todos. Nossa inspiração é finita diante da infinitude do conhecimento. Assim, os anjos vão aos poucos soprando e inspirando os seres humanos a escreverem.

Escrever é uma prática que constitui a identidade pessoal. O anjo sussurra “escreva” e somos tomados por uma vontade inusual. Pensamos projetos e grandes obras e, assim, em meio a tantos planejamentos grandiosos, que vão nos cansando pelas suas impossibilidades, esquecemos o impulso primeiro, o sopro primário. Deixamos a caneta de lado ou o tela do world em branco. Esquecemo-nos.

O anjo nos olha torto por valorarmos tão pouco o seu incentivo. Entende que somos espiritualmente-surdos e precisamos reescrever muitas vezes o que escrevemos. Isso porque as palavras que brotam em nossa mente mentem devido a sua polifonia e, quando revisamos o texto, damos conta de que outras palavras podem expressar melhor o que se pretende dizer. Encontramos, enfim, a palavra segredada no silêncio da alma.

Dessa forma, diversas sessões de lapidação textual, idas e vindas ao dicionário virtual, têm início até que se chega a uma composição aproximada ao primeiro impulso. Como diriam os românticos, o sopro da musa se materializa em um fragmento, um esboço, um arranjo que pode ser ordenado em uma biblioteca qualquer. Borges diz que “para uma linha razoável com uma correta informação, há léguas de insensatas cacofonias, de confusões verbais e de incoerências”. Por isso, é comum dizer que o texto foi para o espaço.

Tive um sonho no qual lia um livro. Acordei e me lembrava que tinha lido algumas páginas de um livro, mas não me recordo o conteúdo. Por certo, visitei uma das bibliotecas dos livros não escritos que Borges descreve. Fiquei algum tempo pensando nisso e voltei a dormir.


Agora, escrevo não uma experiência, mas um testemunho da verdade das bibliotecas borgianas. Não perambulei pelos lugares remotos, pelos corredores, escadas e hexágonos da Biblioteca de Babel, relatados por Boges, apenas folheei alguns livros. Não ví o imperfeito bibliotecário, pois era apenas um visitante curioso que justificava a Tua enorme Biblioteca.

12 de jun. de 2017

O Jornal da minha cidade


Era uma vez uma cidade que possuía só um jornal. Este era impresso em um porão por algumas pessoas de espírito jovem. Sonhavam que seus sonhos traduzidos em palavras pudessem ser apropriados por outras pessoas.
Os leitores se informavam e se emocionavam com aquelas publicações. Sentiam-se confortadas com as histórias, com os depoimentos e se espelhavam na força daqueles que construíam a cidade. Os exemplos de fé estimulavam novos empreendimentos.
Homens e mulheres emergiam das páginas e movimentavam sentimentos e corações. As notícias e as fotos do dia anterior faziam reviver a felicidade do ontem ou reconfortar corações partidos e despedidas inevitáveis.
A impressão passou do porão para a sala, para a cozinha e ocupou a casa inteira. Como uma ideia que se apodera de todos os cantos da memória. Uma obsessão feliz de comunicar, tal como uma veia a irrigar os órgãos e manter o coração batendo.
A cidade cresceu. Outros tempos. Novas pessoas, novas políticas e novos jornais criaram novas necessidades. A convergência das vontades tornou-se concorrência. O mercado se sobrepôs a concordância das frases e da razão.
Não havia mais jornais, mas diversos concorrentes que disputavam os leitores, que se transformaram em clientes. Não havia mais família, mas unidades de consumo. As identidades se multiplicaram e não mais cabiam em um só jornal.
A história dos acontecimentos cedeu lugar a notícia descartável no dia seguinte. A novidade sobrepunha a narração e o fio da memória se perdia como um boato. Apenas uma denúncia vazia, uma insinuação política descabida, uma notícia deselegante.
As pessoas passaram a se esquecer dos fatos ocorridos anteriormente. A linguagem foi empobrecendo e as pessoas foram se fechando em um gueto de palavras, caminho certo para um gueto da vida.
Os recursos públicos passaram a afiançar a vitória política e subornar as consciências. O conhecimento deu lugar a uma nova informação que desinforma. O esclarecimento deu lugar ao curral eleitoral.
O jornal voltou ao porão e o sonho a disputar lugar com a poeira do tempo. Gerações se passaram e o velho linotipo já não encantava mais. As pessoas, uma vez ou outra, perguntavam pelo jornal, mas ele rendia-se em um canto silencioso.
Um dia apareceu um jovem curioso que desceu ao porão e, com os tipos disponíveis, gravou seu nome, uma frase e depois um parágrafo. Encantado chamou outros jovens que, então, levaram a máquina para a sala.

Edélcio Vigna, doutor em Ciências Sociais/UnB
edelcio.evo@gmail.com
(Publicado na Folha de Ourinhos)

Experiência da verdade


Tudo se esforça para ser verdade, mas o véu acaba caindo e a máscara da mentira se expõe irremediavelmente. Aparentemente o país está saindo da crise, mas a recessão se aprofunda. Os números que são apresentados pelos mais credenciados institutos não passam de grossas falsificações. São como propaganda de remédios.
Quando se devia seguir a lei do coração, se curva à lei do fígado e a da genitália. A lei de Gerson “levar vantagem em tudo”, dos anos 70, voltou a vigorar com toda força. A humanidade retorna ao ciclo de conquistas e brutalidades. Basta ligar a TV e se enojar de tantas cenas de crueldade. É como rever as cenas do filme “laranja mecânica”.
A revolução das comunicações trouxe a parte pior do real para a sala de visitas. Se pensava que as cenas melhorariam a sensibilidade em relação ao outro e reforçariam o sentimento altruísta, erramos. As notícias estão embrutecendo o espírito e naturalizando a violência e a corrupção.
Os políticos se empenham em representar o eleitor, mas sempre há cartazes dizendo “ele não me representa”. A honestidade pública está no auge do descrédito. Desde o caixa-2 Dilma-Temer ao bom-mocismo do PSDB, enchafurdados na lava-jato.
A economia pública é saqueada enquanto alguns se batem em torno de nomes, que não levam a nenhum lugar que não seja conhecido. As instituições públicas estão paralisadas devido ao confronto de interesses particulares, que nada tem a ver com o bem estar da população. Saquear a República é a palavra de ordem. Ao povo: TV e promessas.
Nossas vidas estão sendo contaminadas pelo vírus da cretinice e da insensibilidade. Mente-se hoje muito mais do que ontem. Engana-se com um despudoramento de causar vergonha ao despudor. Os sorrisos são apenas contrações labiais sobre uma cara de pau.
O exercício cotidiano do ser é ser verdadeiro.  Mas, qual é o parâmetro da verdade? A “verdade” não está apenas em oposição ao “falso”. Verdade é uma palavra polissêmica, que é construída historicamente e é uma experiência vivenciada. Muitos foram e são os seus sentidos. Dentre esses está se escolhendo o mais repugnante. Será isso insanidade coletiva?
Efeito rebanho pode ser um fator, mas até quando o indivíduo vai se acomodar e ser apenas boi de rabeira? O tempo é relativo e o humano não é nada diante o tempo do mundo e menos que poeira em relação ao tempo do universo. Tudo pode ser recriado, reinventado e revisado, até mesmo nossas vidas.

*Edélcio Vigna, Doutor em Ciências Sociais/UnB
edelcio.evo@gmail.com
(Publicado na Folha de Ourinhos)

11 de abr. de 2017

O golpe “Temerdoriano” ou o 18 Brumário brasileiro



Une courte Introduction
Este texto é uma farsa, no sentido marxista, pois retoma a análise de uma tragédia e só poderia fazê-la como farsa ou paródia. No primeiro parágrafo do 18 Brumário, Marx ressalta que Hegel menciona que os grandes fatos e personagens da história são encenados duas vezes. “Ele se esqueceu [retifica, Marx] de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa” (Marx, 2011, p.25). Herbert Marcuse, no Prólogo da mesma edição, acentua que “a farsa é mais terrível do que a tragédia à qual ela segue” (Marx, 2011, p.9). Este artigo é inspirado na leitura de O 18 Brumário de Luís Napoleão, de Marx. A proposta não é original, pois Bertrand Russel (Russel, apud FERRO[2], 1984), Eric Hobsbawm[3] (Hobsbawm, 1996, p. 72), Modesto Florenzano[4] e outros autores[5], já elaboraram comparações mais extensas sobre as revoluções francesa e a russa.  O mais bizarro é que o golpe parlamentar no Brasil foi coordenado por Temer, vice-presidente da República, cujo nome se assemelha ao da "Reação Termidoriana" - golpe organizado pela alta burguesia financeira. Essa coincidência acabou dando nome ao artigo.

27 de mar. de 2017

Ética do submundo


O que se pode esperar da crise político-econômica que se avizinha? Havia uma das regras da quadrilha era não delatar os companheiros. Essa ética demarcava o comportamento ético do submundo.

A bandidagem mudou com o tempo. Os quadrilheiros que assaltam o tesouro público roubam o sonho da juventude que quer estudar; a confiança das famílias que lutam para sair da pobreza e a esperança dos doentes que procuram a cura nos hospitais públicos.

Esses são os réus da Lava-Jato que tem na regalias na prisão. Fazem valer suas alianças com os poderosos. O ex-senador Luís Estevão, de Brasília, desacatou o Diretor da Papuda por ter diminuído suas regalias. Vejam, só!

O Superior Tribunal Federal (STF), sob as pressões políticas, demora a cumprir o rito judiciário. Os integrantes do STF são “indicados” pelo presidente da República e “sabatinados” pelos senadores. Nos países desenvolvidos os juízes do STF são diretamente eleitos.

Entrar na lista de candidatos ao STF e ficar é dívida com os políticos. As teses comprovam a estreita relação entre política e judiciário. Toda decisão judiciária deve ser considerada sob o ponto de vista dos interesses políticos.

Entramos no terreno da dúvida. A eleição para as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, por exemplo, é uma porta giratória: sai um e entra o outro do mesmo grupo. A sociedade cobra seus direitos a saúde, educação e trabalho.  Da tribuna os parlamentares discursam cinicamente demonstrando que o governo está cumprindo a Constituição e o Estado de Direito.

A reação à operação Lava-Jato tem exposto os nomes das autoridades, que se beneficiaram com a corrupção. Há uma indignação social contra as regalias que os presos de colarinho branco têm recebido nas unidades prisionais. Os que roubaram a merenda dos alunos das escolas públicas de São Paulo estão soltos.

Com a homologação das 77 delações da construtora Odebrecht a temperatura política vai subir. O presidente Temer insiste em conceder a Moreira Franco status de Ministro, com foro privilegiado no STF. Franco, apelidado de “angorá”, foi citado 34 vezes na lava-jato. Igualzinho ao Lula.


Durante a Revolução Francesa os nobres que estavam presos tentaram trair a França. Os jacobinos invadiram e mataram os aristocratas presos. Esse ato ficou conhecido como “Massacre de Setembro”. Isso não é nenhum exemplo, mas uma amostra histórica do limite da paciência popular.

Edélcio Vigna, doutor em Ciências Sociais
edelcio.evo@gmail.com
(Publicado na Folha de Ourinhos)

5 de fev. de 2017

Un viejo caminaba por las calles


Toquinho disse que percebeu que Vinícius de Moraes estava velho quando, em uma noite após o show, junto com artistas da nova geração que iam sair para uma noitada carioca e Vinicius falou que ia para casa assistir o seriado Baretta (seriado americano).
Alguns dizem que a velhice desponta quando as musicas do tempo de juventude emocionam. Quando uma pessoa lembra o amor de colégio que nem te notava, porque eras ingênuo y tímido.
És viejo quando se lembra das irmãs, que moravam na mesma rua, e aquela que te olhava não era a que você queria flertar. Usted aún mantiene el olor de las calles antiguas.
Paquerar e flertar, son términos diferenciados, dice una chica con ojos negros. Paquerar é um ato caçador, flertar é um ato romântico. Y usted bailaba la media luz, sintiendo la noche de suerte.  
Nos anos 70 o escurinho do cinema foi substituído pela discoteca. O Dancin’Days democratizou a beleza, todas se pareciam. Te encontré tan hermosa como las demás.
Por eso, se estas vivências surgem como lembranças, es un viejo experimentado. Y nosotros seguimos cantarolando uma trilha musical démodé. Pero, caminamos solertes y con un gingado senilmente amalandrado.
Acompanhado por múltiplos fantasmas, que sutilmente assopram recordaciones, revemos as ruas que nos perderam e que nos encontram no pátio abandonado da imaginação. No hay nada que ocultar, es un viejo de verdad.

Edélcio Vigna, doutor em Ciências Sociais
edelcio.evo@gmail.com
(Publicado na Folha de Ourinhos)

Década das surpresa


É tempo de rever nossas certezas, de duvidar do que não se podia duvidar. Há tempo que os sinais vem se modificando. Estávamos em um tempo incremental. Agora, entramos em um turbilhão de mudanças imediatas e precisamos compreender essas alterações se não quisermos nos tornar obsoletos.
Quando temos a quase-certeza, lá vem a delação e o quase desmascara a certeza. As mídias estão levantando o véu, que ajudaram a cobrir a abjeção.
Herdamos a genética da escória do velho mundo. Toda uma galera de perdedores desembarcaram neste magnifico continente. Contaminaram o ciclo natural e impuseram a história deles, a dos degradados.
Esses somos nós. Enxotados do velho mundo, assim como os imigrantes de agora. Ondas de seres humanos desterritorializados, sem referência enquanto cidadãos e cidadãs. Os EUA e os países europeus criminaliza o neoimigrante. Nega-lhes a oportunidade que um dia lhes foi dada.
As mudanças são bem-vindas. É um tempo no qual o lema “Proibido Proibir”, dos tropicalistas, emerge resignificado, não mais contra a censura, mas a favor de um novo tempo, que ainda não se consolidou.  
Os seres chegaram ao limite e precisam que repensar o meio e a forma como vivem. O senso comum repete que somos passageiros, mas isso nunca foi tão evidente. Tão acachapante como na década que se seguirá.
Atingimos à dolorosa consciência de que o mundo não acabará. Que pena! Do alto do nosso egoísmo gostaríamos de que tudo se acabasse conosco. Porém, não há bomba que destrua o planeta. No caso de uma implosão, outro se formará e isso não depende de nós.
O tempo não existe para as coisas e para a natureza. Somos vítimas do tempo que criamos. Fazemos parte da natureza, mas fizemos de tudo para dela se apartar. Em vez de naturalizar a humanidade, tentamos humanizá-la. Como a natureza não é domável, salta agora qual cavalo selvagem.
A história que vamos testemunhar nas próximas décadas não poderá ser comparada com a que aprendemos nos livros escolares. Os grandes gestores das políticas atuais não são encantadores de cavalos, mas truculentos domadores do velho Oeste, que se valem da espora e do chicote.

Edélcio Vigna, doutor em Ciências Sociais
edelcio.evo@gmail.com
(Publicado na Folha de Ourinhos)

O Brasil e a radicalidade


Há no processo político brasileiro um curioso paradoxo. A população exige avanços nas políticas públicas, mas apoia os partidos e medidas conservadoras.

O PT eleito para mudar o cenário de desigualdades se converteu em uma força conservadora. Sua função era desestabilizar a mesmice política e criar um novo cenário institucional, mas a ânsia de poder anulou sua força renovadora.

As eleições municipais de 2016 deverão montar as peças no tabuleiro das eleições presidenciais de 2018. Os eleitores ao escolher o prefeito e os vereadores irão pré-indicar quais serão os partidos que terão força política para concorrer à presidência da República e cumprir as exigências das ruas.

O PSDB se distanciou da socialdemocracia defendida por Franco Montoro, Mário Covas e assumiu compromissos mineiramente regressistas. O PMDB está envolvido com o PT em um abraço de afogado. Este quadro partidário possibilita a emergência de um aventureiro montado em um partido de aluguel, em 2018.

O que não se pode é anunciar a extinção da política. O esgotamento de um ciclo político abre oportunidades para intensificação das manifestações populares, sejam de direita ou de esquerda. Os protestos tendem a tornar mais acirrados caso as reivindicações não forem atendidas e, a repressão, mais violenta.

Este é o legado para o Estado. Que o poder Judiciário combata radicalmente a corrupção e colocar na cadeia os corruptos. Que o poder Executivo atenda as demandas da coletividade e não se deixe levar pelo brilho ilusório do poder. Que o poder legislativo recupere sua respeitabilidade.

Edélcio Vigna, doutor em Ciências Sociais
edelcio.evo@gmail.com
(Publicado na Folha de Ourinhos)