7 de dez. de 2014

Meus poetas


Tenho que ler Cora Coralina, Drummond, Pessoa para me manter vivo.
Sentir que a pele é mais que pele,
que o coração e mais que um músculo,
que o tempo é mais que a vida.
Tenho que ler Maiacovisk, seguir os sons dos seus esgotos - flautas feitas de vértebras.
Tenho que ler Oswald, Mário de Andrade, Lobato, me levam para os lugares encantados. 
Tenho que ler os poetas nicaraguenses, que forjaram a palavra no meio da guerra. 
Na certeza dos que não amanhecerão,
os poetas incandescem suas ferramentas e, num ritual louco, grafam suas esperanças.
Tenho que ler para traduzir as almas que atravessam minha alma 
sussurrando o tempo que me capta e me escapa.

Abutre



Sou teu abutre preso ao seu destino de prometeu
atraído constantemente pela sua carne exposta exigindo minha pontualidade para cumprir seu suplício
obriga-me ao tormento diário da dilaceração de teu baço
sou o teu outro braço, o que executa o gesto
o que prega eternamente os pregos do seu caixão.
Cheira cocaína e caga na latrina de tua poesia crítica
a não-rima precede o verso
palavras vísceras, membros e troncos
escritos sangue por todas as veias da página
uma cristaleira de palavras é atirada do terceiro andar 
composição acidental.

Garçom



Garçom, mande a conta antes que comece um conto bobo e tonto
por favor não demore
senão pego um guardanapo faço um relato curto, soneto seco como o vinho que bebo
como o vento que no rosto recebo
por favor agilize a nota 
que o conto se torna encanto enquanto espero a conta.

O carrasco



O carrasco bebe e se droga olha as declarações com asco "Nada valeu a pena. O que pensará o chefe ao ler essas migalhas? Que esteve bebendo e se drogando sem ao menos forçar uma palavra! Que tipo de funcionário era?" volta-se para o torturado caído, tremendo as pernas, sua boca se contrai num esgarçar de músculos o médico faz sinal de basta o torturador dobra-se sobre o joelho e chora.

Morreu o Presidente!



Morreu o Presidente!
enquanto tomo um porre
morre o Presidente!
enquanto tomo café e escovo os dentes
morre o Presidente!
enquanto penso na mulher ausente
que chega tão tarde que me encontra dormindo
(morre o Presidente!)
deita manso e dorme comigo
para que eu tenha amanhã a ilusão
de que chegou na hora certa
(morre o Presidente!)
em que chegam as amantes.
Carente, beijo a TV
o noticiário bombardeia:
morreu o Presidente!