Biblioteca dos livros não escritos
Sempre admirei as bibliotecas do
universo descritas por Jorge Luís Borges. Imagino aquela infinidade de livros
dispostos em incontáveis estantes fluídicas. Todos ainda por serem escritos. Quem
não leu o artigo A Biblioteca de Babel, de Borges, faça agora um download pela
internet e leia.
São tantos os livros, que
aguardam a serem escritos, que não haverá gerações que possam compor todos.
Nossa inspiração é finita diante da infinitude do conhecimento. Assim, os anjos
vão aos poucos soprando e inspirando os seres humanos a escreverem.
Escrever é uma prática que
constitui a identidade pessoal. O anjo sussurra “escreva” e somos tomados por
uma vontade inusual. Pensamos projetos e grandes obras e, assim, em meio a
tantos planejamentos grandiosos, que vão nos cansando pelas suas
impossibilidades, esquecemos o impulso primeiro, o sopro primário. Deixamos a
caneta de lado ou o tela do world em branco. Esquecemo-nos.
O anjo nos olha torto por valorarmos
tão pouco o seu incentivo. Entende que somos espiritualmente-surdos e
precisamos reescrever muitas vezes o que escrevemos. Isso porque as palavras
que brotam em nossa mente mentem devido a sua polifonia e, quando revisamos o
texto, damos conta de que outras palavras podem expressar melhor o que se
pretende dizer. Encontramos, enfim, a palavra segredada no silêncio da alma.
Dessa forma, diversas sessões de lapidação
textual, idas e vindas ao dicionário virtual, têm início até que se chega a uma
composição aproximada ao primeiro impulso. Como diriam os românticos, o sopro
da musa se materializa em um fragmento, um esboço, um arranjo que pode ser
ordenado em uma biblioteca qualquer. Borges diz que “para uma
linha razoável com uma correta informação, há léguas de insensatas cacofonias,
de confusões verbais e de incoerências”. Por isso, é comum dizer que o
texto foi para o espaço.
Tive um sonho no qual lia um
livro. Acordei e me lembrava que tinha lido algumas páginas de um livro, mas
não me recordo o conteúdo. Por certo, visitei uma das bibliotecas dos livros
não escritos que Borges descreve. Fiquei algum tempo pensando nisso e voltei a
dormir.
Agora, escrevo não uma
experiência, mas um testemunho da verdade das bibliotecas borgianas. Não
perambulei pelos lugares remotos, pelos corredores, escadas e hexágonos da
Biblioteca de Babel, relatados por Boges, apenas folheei alguns livros. Não ví o
imperfeito bibliotecário, pois era apenas um visitante curioso que justificava
a Tua enorme Biblioteca.