4 de out. de 2017

Biblioteca dos livros não escritos


Biblioteca dos livros não escritos
Sempre admirei as bibliotecas do universo descritas por Jorge Luís Borges. Imagino aquela infinidade de livros dispostos em incontáveis estantes fluídicas. Todos ainda por serem escritos. Quem não leu o artigo A Biblioteca de Babel, de Borges, faça agora um download pela internet e leia.

São tantos os livros, que aguardam a serem escritos, que não haverá gerações que possam compor todos. Nossa inspiração é finita diante da infinitude do conhecimento. Assim, os anjos vão aos poucos soprando e inspirando os seres humanos a escreverem.

Escrever é uma prática que constitui a identidade pessoal. O anjo sussurra “escreva” e somos tomados por uma vontade inusual. Pensamos projetos e grandes obras e, assim, em meio a tantos planejamentos grandiosos, que vão nos cansando pelas suas impossibilidades, esquecemos o impulso primeiro, o sopro primário. Deixamos a caneta de lado ou o tela do world em branco. Esquecemo-nos.

O anjo nos olha torto por valorarmos tão pouco o seu incentivo. Entende que somos espiritualmente-surdos e precisamos reescrever muitas vezes o que escrevemos. Isso porque as palavras que brotam em nossa mente mentem devido a sua polifonia e, quando revisamos o texto, damos conta de que outras palavras podem expressar melhor o que se pretende dizer. Encontramos, enfim, a palavra segredada no silêncio da alma.

Dessa forma, diversas sessões de lapidação textual, idas e vindas ao dicionário virtual, têm início até que se chega a uma composição aproximada ao primeiro impulso. Como diriam os românticos, o sopro da musa se materializa em um fragmento, um esboço, um arranjo que pode ser ordenado em uma biblioteca qualquer. Borges diz que “para uma linha razoável com uma correta informação, há léguas de insensatas cacofonias, de confusões verbais e de incoerências”. Por isso, é comum dizer que o texto foi para o espaço.

Tive um sonho no qual lia um livro. Acordei e me lembrava que tinha lido algumas páginas de um livro, mas não me recordo o conteúdo. Por certo, visitei uma das bibliotecas dos livros não escritos que Borges descreve. Fiquei algum tempo pensando nisso e voltei a dormir.


Agora, escrevo não uma experiência, mas um testemunho da verdade das bibliotecas borgianas. Não perambulei pelos lugares remotos, pelos corredores, escadas e hexágonos da Biblioteca de Babel, relatados por Boges, apenas folheei alguns livros. Não ví o imperfeito bibliotecário, pois era apenas um visitante curioso que justificava a Tua enorme Biblioteca.