Doutor em Ciências Sociais (UnB); mestrado em Ciência Politica (UnB), Graduado em História (Unesp/Assis).
17 de abr. de 2018
5 de fev. de 2018
Cryptolocker e ransomware, conhece?
(Conspiração para participar da atividade de Rackers; Fraude bancária; Conspiração para violar a Lei de fraude e abuso de computador; Conspiração para violar o ato de identidade de roubo de identidade e dissuasão de suposição; Roubo de identidade agravado; Conspiração; Fraude informática; Fraude de Comunicação; Lavagem de dinheiro).
Cryptolocker e ransomware, conhece?
Edélcio Vigna, doutor em Ciências Sociais/UnB
Ainda precisamos invejar a carapaça do jabuti.
Porque mesmo criando uma couraça tecnodigital continuamos vulneráveis. Temos a
falsa impressão de que o mundo fica lá fora, fora da matriz que construímos
cotidianamente. O nosso refúgio, construído de bits e pelos modelos dissipáveis
ou auto-organizáveis, é somente um jogo de sequencias infinitas.
Despejamos fotos no instagram, no facebook, recebemos cliques de autoestima e respondemos com emojis.
Mas, em verdade nosso corpo social está sendo roubado. Estamos sendo amputados
dos sentimentos. O ciberespaço suprime o planeta. A globalização é incapaz de
nos dar a territorialidade que necessitamos para existirmos como identidade
cultural.
Onde está aquela casa cheia de
sonhos? Realidades vividas, experiencializadas, por nossos pais e por nós desde
pequenas quimeras que fomos? Estamos atravessando um patamar que oferece uma
tirania cibernética muito mais hedionda que o esquecimento.
Eu me recuso a ser formado por
bits. Minhas células se rebelam contra o cyber-darwinismo. Para fugir da
indiferença em relação ao outro, não posso eliminá-lo, mas colocá-lo ao meu lado.
A bolha informática, similar a
rosa de Hiroshima, não nos ameaça como ficção, mas com a realidade da crise da
neteconomia, que não tem lugar nem espaço para explodir. “No dia em que todos
os bancos e bolsas do mundo estiveram interconectados, o crack será
necessariamente mundial”, alerta o filósofo Paul Virilio.
O principal problema não é o cyber
isolamento que dessujeita, que criou o não-sujeito, mas a ilusão da interação
protetora. Nos muitos cliques existe o nada. O que há não é o caos, mas a
desordem. No caos há possibilidade criativa, a desordem é estéril. A violência
ganha nova forma. O trágico espetacular tem início com a destruição das torres
gêmeas.
Quem é o alvo do rinocibernético? Os aeroportos, bancos, governos e
você. Em maio, o “cryptolocker”, um vírus de resgate, bloqueou
mais de 200 mil computadores em 150
países, entre eles a Inglaterra, Rússia, Dinamarca, França, Ucrânia, e Espanha.
Outro vírus o “ransomware”, sequestra os arquivos e só
os libera mediante pagamento em moedas virtuais. Um ataque cibernético consume
milhões de dólares. Para evitar o “Bug do Milênio” foram gastos US$ 7 bilhões.
Não nos basta a carapaça do jabuti, símbolo de
resistência cultural brasileira, que desafia o tempo com a astucia
que a floresta lhe proveu, para nos livrar da crise da neteconomia. A pergunta
não é se ela vai acontecer, mas quando acontecerá? Enquanto o armagedom não vem
é melhor atualizar seu dicionário com os termos do novo tempo.
O escritor e seu escritório
O escritor e seu
escritório
Edélcio Vigna, doutor em
Ciências Sociais (UnB)
Em certa cidadezinha do interior morreu um escritor muito conhecido na
região.
O prefeito pensou em criar na biblioteca da única escola do município,
um espaço que reproduziria o escritório do famigerado escritor, que tantas
crônicas publicou no jornal local. Porém, um surgiu um problema: o
escrevinhador morava sozinho e as pessoas desconheciam o local em que ele escrevia.
A família, que morava longe tinha levado em um caminhãozinho baú, os
poucos móveis e deixara a casa vazia. Os textos originais, que entregava ao
editor, era datilografado. Seria em uma Remington 30, daquelas antigas ou em
uma Olivetti elétrica? Os caracteres eram de máquina de escrever, afirmava o
editor.
O prefeito mostrou os originais ao professores e aos eruditos do
município. Como não houve consenso, foi realizada uma reunião, às pressas, com
os mais instruídos munícipes. Nenhum reconheceu o tipo de impressão. A
eventualidade dele usar um computador ou um notebook estava fora de questão.
Como resolver esta questão principal na montagem o escritório? Uma
possibilidade seria entrar em contato com a família e perguntar. Porém, ninguém
sabia onde a família morava. Nesta situação, palpitou o dono da banca do jogo
de bicho, é criar um ambiente de escritor.
A sugestão foi bem recebido. Contudo, cada participante, do
farmacêutico ao delegado, imaginava um tipo de recinto. Coisas consensuais:
tinha que haver uma mesinha e um cadeira. Todavia, o que haveria sobre a mesa? Um
livro? Dicionário? Tinteiro? Caneta, lápis, uma pena de bico?
Bem, mas que tipo de mesa e de cadeira? Rococó, moderna ou barroca? A
discussão voltava ao início. A madrugada já ia longe quando resolveram indicar
algumas pessoas para pensar o “escritório” e, no dia seguinte, se reuniriam
para os acertos finais.
Por fim, o “Espaço do Escritor” foi inaugurado. Recolheram uma mesinha
do depósito da Prefeitura, colocaram uma caneta Parker tinteiro, um tinteiro,
um mata-borrão, uma máquina de escrever das antigas e um óculos antediluviano do farmacêutico. Um
dicionário e uma Bíblia.
Acontece que, em uma cidadezinha, todos sabem de tudo e a farsa virou
piada. Diante do mal-estar, o prefeito mandou retirar o “escritório” e guardar
tudo no depósito municipal.
Gerações se passaram e a história foi esquecida. Certo dia, um antigo funcionário
lembrou que no próximo mês completaria 100 anos da morte do ilustre escritor.
Informado o prefeito e mandou preparar uma semana de atividades literárias em homenagem
ao falecido letrado.
Reservou um lugar de honra na biblioteca municipal e resgatou o
“Escritório do Escritor” do depósito municipal. O canto, escolhido pela Dona
Lurdinha, bibliotecária aposentada, foi cercado por cordões dourados e
vermelhos e amarrados em balaústres barrocos finamente ornados.
As palestras da Semana foram um sucesso e a preleção inaugural feita
por Ariano Suassuna, consagrou os móveis, as canetas, o tinteiro e os livros,
como peças originais. Verdadeiras heranças do escritor àquele cidade, que tanto
necessitava de um símbolo literário para se firmar como centro da região.
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