Era uma vez uma cidade que
possuía só um jornal. Este era impresso em um porão por algumas pessoas de
espírito jovem. Sonhavam que seus sonhos traduzidos em palavras pudessem ser
apropriados por outras pessoas.
Os leitores se informavam e se
emocionavam com aquelas publicações. Sentiam-se confortadas com as histórias,
com os depoimentos e se espelhavam na força daqueles que construíam a cidade. Os
exemplos de fé estimulavam novos empreendimentos.
Homens e mulheres emergiam das
páginas e movimentavam sentimentos e corações. As notícias e as fotos do dia
anterior faziam reviver a felicidade do ontem ou reconfortar corações partidos
e despedidas inevitáveis.
A impressão passou do porão para a
sala, para a cozinha e ocupou a casa inteira. Como uma ideia que se apodera de
todos os cantos da memória. Uma obsessão feliz de comunicar, tal como uma veia a
irrigar os órgãos e manter o coração batendo.
A cidade cresceu. Outros tempos.
Novas pessoas, novas políticas e novos jornais criaram novas necessidades. A
convergência das vontades tornou-se concorrência. O mercado se sobrepôs a
concordância das frases e da razão.
Não havia mais jornais, mas
diversos concorrentes que disputavam os leitores, que se transformaram em
clientes. Não havia mais família, mas unidades de consumo. As identidades se
multiplicaram e não mais cabiam em um só jornal.
A história dos acontecimentos
cedeu lugar a notícia descartável no dia seguinte. A novidade sobrepunha a
narração e o fio da memória se perdia como um boato. Apenas uma denúncia vazia,
uma insinuação política descabida, uma notícia deselegante.
As pessoas passaram a se esquecer
dos fatos ocorridos anteriormente. A linguagem foi empobrecendo e as pessoas foram
se fechando em um gueto de palavras, caminho certo para um gueto da vida.
Os recursos públicos passaram a
afiançar a vitória política e subornar as consciências. O conhecimento deu
lugar a uma nova informação que desinforma. O esclarecimento deu lugar ao
curral eleitoral.
O jornal voltou ao porão e o
sonho a disputar lugar com a poeira do tempo. Gerações se passaram e o velho
linotipo já não encantava mais. As pessoas, uma vez ou outra, perguntavam pelo
jornal, mas ele rendia-se em um canto silencioso.
Um dia apareceu um jovem curioso
que desceu ao porão e, com os tipos disponíveis, gravou seu nome, uma frase e
depois um parágrafo. Encantado chamou outros jovens que, então, levaram a
máquina para a sala.
Edélcio Vigna, doutor em Ciências Sociais/UnB
edelcio.evo@gmail.com(Publicado na Folha de Ourinhos)